Defender o acesso às vacinas contra a COVID-19: experiências de trabalhadorxs no emprego informal

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A waste picker in Durban
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Christy Adeola Braham, Federico Parra

À medida que a gente se aproxima do final de 2021, bilhões de pessoas têm sido vacinadas contra a COVID-19 – sendo a vacinação amplamente considerada como a saída dessa pandemia que continua prejudicando os meios de subsistência no mundo todo.  Ainda assim, a estratosférica desigualdade na distribuição das vacinas em nível mundial expressa que muitas pessoas, incluindo aquelas que trabalham no emprego informal, têm sido excluídas.

Em várias regiões da África, do sul e sudeste da Ásia e da América Latina, o acesso às vacinas foi insuficiente.  Os baixos níveis de vacinação – produto da desigualdade na distribuição das vacinas e da hesitação em tomá-las – incrementaram os riscos de transmissão, hospitalização e morte em decorrência da COVID-19. Estes riscos podem, inclusive, provocar o aparecimento de variantes mais perigosas.  São nessas regiões onde habita e trabalha a maior parte das pessoas que compõem o setor informal.

O Estudo sobre a crise da COVID-19 e a economia informal de WIEGO revelou que, ao perguntar para essas pessoas que tipo de apoio precisariam dos seus governos para se recuperar, a vacinação era uma das prioridades que lhes permitiria retomar seus meios de subsistência de forma legal e segura.

Xs trabalhadorxs informais estão na linha de frente e continuam oferecendo serviços essenciais durante a pandemia, embora seus meios de subsistência e sua saúde sejam afetados. No mundo, 2 bilhões de pessoas possuem empregos informais e são fundamentais para a recuperação econômica.  Se essas pessoas não forem protegidas da COVID-19, a proteção da sociedade não poderá ser garantida. Isso irá prolongar a pandemia, atrasando e prejudicando a recuperação econômica, tanto no âmbito local, como no mundial. A vacinação contra a COVID-19 é, dessa forma, um investimento nxs trabalhadorxs que irá permitir o controle da pandemia.

A WIEGO colabora com as pessoas empregadas no setor informal para que consigam ter acesso às vacinas (incluindo receber educação sobre estas) Gostaríamos de compartilhar aqui algumas das experiências dessas pessoas para aprender com elxs e continuar lhes oferecendo apoio na luta para se vacinarem em 2022.

Aline Sousa da Silva, presidenta da CENTCOOP, representante do Distrito Federal no Comitê Nacional do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), coordenadora do Secretariado Nacional das Mulheres e da Juventude de UNICATADORES, Brasil

Temos sofrido muito antes de receber a vacina. Começamos a trabalhar com o governo na apresentação de um plano de adaptação que prevenisse a COVID-19, visando que os catadorxs pudessem voltar a trabalhar e fossem considerados prestadores de um serviço essencial.

Associamo-nos com algumas organizações de saúde para que nossos catadores fossem testados para COVID-19.  Foram realizados mais de mil testes, revelando que muitos dos catadores eram assintomáticos. Os resultados nos fizeram compreender que o acesso à vacina era imprescindível.

Assim, trabalhamos junto com advogados para que xs catadorxs fossem incluídos na lista da população que deveria ter prioridade na hora de recebê-la. Antes da pandemia, xs catadorxs nunca tinham sido considerados como um grupo prioritário, mas os resultados dos testes permitiram demonstrar essa necessidade. Consequentemente, permitiram que recebêssemos a vacinação como grupo essencial e, em apenas dois dias, mais de 1500 catadorxs foram imunizadxs.  Foi uma situação muito comovente, pois havia catadorxs que perderam amigxs e familiares em decorrência da COVID-19. Houve lágrimas e muita alegria, mas sentiam dor ao lembrar seus pais, suas mães, seus amigos e todas essas pessoas queridas que poderiam ter sido salvas se a vacina tivesse sido oferecida às pessoas prioritárias.

Wisborn Malaya, secretária geral da Câmara das Associações da Economia Informal de Zimbábue (ZCIEA), Zimbábue

No começo do programa de vacinação no país, o governo priorizou as pessoas consideradas trabalhadorxs essenciais. Começamos a gerir a mesma terminologia que eles para exigir que trabalhadorxs e comerciantes da economia informal fossem consideradxs essenciais, no intuito de que continuassem a trabalhar.

Através de nossas plataformas de WhatsApp, encorajamos a todo o pessoal afiliado a se vacinar. Outras redes sociais também foram utilizadas para oferecer informação sobre as vacinas. Essa estratégia foi destinada ao público geral, pois, como integrantes da economia informal, não vivemos numa ilha isolada, mas em famílias que, ao mesmo tempo, inserem-se em comunidades.

O nosso alcance sobre a comunidade possui seus próprios desafios, pois uma parte de nossxs afiliadxs pertence a grupos religiosos que se opõem à vacinação. Entre esses desafios encontram-se também notícias falsas que são espalhadas através do WhatsApp, gerando medo entre as pessoas que as recebem. Acrescenta-se a isso o problema da lentidão para fornecer vacinas em algumas áreas, sobretudo naquelas mais remotas onde a acessibilidade é um problema.

Carmen Britez, vice-presidenta da Federação Internacional de Trabalhadoras do Lar (FITH, em espanhol) e secretária da Organización y Actas de la Unión Personal Auxiliar de Casas Particulares (UPACP), Argentina 

Coordenamos nosso trabalho com diferentes setores para apresentar uma solicitação exigindo a vacinação. Em nível provincial, esses trabalhos em conjunto conseguiram registrar as trabalhadoras do lar, fazendo com que elas recebessem a primeira e a segunda doses da vacina. Em nível nacional, temos colocado mesas nas ruas para levar adiante esse registro, pois muitas delas não possuem os recursos materiais nem intelectuais para se inscrever como beneficiárias da vacina. Além disso, muitas delas ignoram o porquê ou quais são as condições ótimas para receber a vacina.

Independentemente das atividades que realizem, a quantidade de trabalhadorxs que estão recebendo a vacina avança rapidamente, mas é claro que aquela depende das vacinas que ingressem no país.

Eva Mokoena, presidenta da Organização de Catadorxs Africanxs, África do Sul

Atualmente, realizamos campanhas de conscientização, pois descobrimos que a maioria dxs catadorxs não acreditava na existência da COVID-19.  Ao perceberem a quantidade de diagnósticos positivos que iam aparecendo, começaram a acreditar nela. Mesmo assim, a maioria continua se negando à vacinação por causa dos efeitos secundários que provoca em algumas pessoas. Isso levou à capacitação de pessoal para que, ao mesmo tempo, capacitassem outras pessoas com relação à hesitação que provoca a vacinação, como também sobre como se registrar para receber uma dose.

A circulação de algumas informações nas redes sociais gera medo, e o governo continua sem educar suficientemente a população sobre o vírus. A partir das sessões de capacitação, conseguimos inscrever a maioria das pessoas titulares de passaportes, mas ainda temos dificuldade na hora de ajudar a quem não possui nenhum documento de identidade, pois o sistema impede seu registro.

O governo não se importa conosco, estamos sozinhos, No entanto, gostaríamos de contar com maior apoio na difusão de nossas mensagens, pois enfrentamos dificuldades, particularmente na hora de atingir axs catadorxs de lugares distantes. Precisamos ajudar axs imigrantes e a outras pessoas indocumentadas para que obtenham a vacina.

Debora Contreras, representantes de Promotorxs de Saúde do Movimento dos Trabalhadorxs Excluídxs (MTE) e a União de Trabalhadorxs da Economia Popular (UTEP), Argentina

Só tomamos consciência de que devíamos atuar quando nossxs colegas começaram a morrer. Assim, começamos a pensar numa maneira de promover a vacinação e numa estratégia que permitisse combater as campanhas de desinformação com relação ao tópico nos meios de comunicação massiva. Foi assim que começamos a trabalhar no âmbito provincial para recuperar a operacionalidade da campanha de vacinação contra a gripe, que tinha sido interrompida devido à pandemia. No âmbito nacional, recebemos capacitação sobre a vacina. Além disso, temos organizado esquadrões que visam promover a vacinação e o respeito às regras de segurança. Também foram elaborados vídeos sobre a importância da vacinação. Para conseguir ajuda por parte do Estado, tivemos de convencê-lo do caráter essencial de nosso trabalho.  Foi uma luta enorme, especialmente para aqueles trabalhadores sem registro.

Fizemos com que a saúde fosse compreendida como um assunto a ser abordado em nível nacional, e passamos a ser considerados promotorxs de saúde. Esse tipo de respaldo é imprescindível para continuar nossa luta e atingir a vacinação.

Reema Mishra, membro da Associação de Mulheres Trabalhadoras Autônomas (SEWA) de Bharat e membro do Conselho Diretivo da SEWA Ruaab, Índia

Em maio (de 2021), quando a pandemia atingiu seu pico, nosso trabalho tornou-se enormemente complicado em decorrência da velocidade com que a doença se espalhava.  Posteriormente, quando a vacinação começou, todo o mundo entrou em pânico pois achou que iria morrer quem recebesse a vacina.  Após a vacinação, algumas pessoas apresentaram febre, provocando temor na população.

Então, nós da SEWA conversamos e exibimos vídeos sobre a vacinação para tentar que todas ficassem convencidas dos seus benefícios. Também ligamos para muitas pessoas com o objetivo de ajudá-las a se preparar para a vacinação. Elas pediam para que nós as assessorássemos na inscrição. Algumas disseram que tinham tentado fazê-lo, mas que não conseguiram. Eu tentei, e consegui receber a vacina. Em seguida, o pessoal da SEWA fez uma lista de todas as afiliadas incluindo nome e número de telefone; assim, aproximadamente 300 pessoas conseguiram se registrar.

Acesse os depoimentos completos na gravação do webinar da WIEGO: Defender o acesso às vacinas contra a COVID-19: experiências de trabalhadorxs no emprego informal.


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Foto superior: Pessoa catadora em Durban, África do Sul. Foto: Jonathan Torgovnik
Informal Economy Topic
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